A notícia da venda da Mineradora Taboca para o grupo China Nonferrous Trade pegou muitos de surpresa na última terça-feira e chegou a ser alvo de críticas de parlamentares, que questionavam a soberania brasileira sobre os recursos naturais. Na avaliação do professor de sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas, Cleiton Maciel, a presença chinesa nos negócios da Amazônia deve aumentar ainda mais nos próximos anos.
Especialista nas relações comerciais da China dentro da Zona Franca de Manaus (ZFM), Maciel afirma que a chegada desta nova empresa não é uma coisa natural, mas em meio a um processo de aproximação do país asiático com a região.
“A China acabou de inaugurar um porto no Peru, em Chancay, que é um dos maiores portos do mundo e que é interessante também para o processo de internacionalização e influência da China. E agora essa chegada dessa empresa no setor de mineração, ela é fundamental da China, porque tem esse reposicionamento das cadeias globais. Isso no mundo inteiro. Esse mundo que está meio incerto agora, os países estão tentando organizar”, disse.
Conjuntura
O sociólogo dá como exemplo o acordo entre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Europeia, que está em aberto há quase 30 anos, mas com a possibilidade de ser fechado em breve. Isso faz com que a China tente se fazer mais presente na América Latina. Outros fatores são a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos e a reconfiguração da economia desde o fim da pandemia de Covid-19.
“As empresas chinesas cada vez mais estarão presentes na Amazônia, e aí eu acho que tem um ponto interessante: as empresas chinesas, antes, estavam muito no setor de eletroeletrônico da Zona Franca de Manaus. Minha hipótese é de que agora, cada vez mais, elas vão estar nesses setores estratégicos para a China”, avalia.
O caso da compra da Mineração Taboca, localizada na Mina do Pitinga em Presidente Figueiredo (AM), entra nesse rol de setores estratégicos. Antes, as empresas chinesas já se faziam presentes, segundo ele, no setor do petróleo no Rio de Janeiro e na costa brasileira. Cleiton Maciel analisa que as empresas de mineração fazem parte da “estrutura vertebral da economia chinesa”, pois o país depende desses minérios não apenas para o comércio, mas também para sua própria indústria.
“Eu acho interessante não pensar muito o capital chinês. Chegou à empresa e todo mundo fica olhando quase como se fosse algo igual em todo mundo, mas é muito importante ver que tipo de capital está indo para um lugar, se ele é privado, se ele é estatal, se é semiestatal, qual o contexto do lugar”, disse.
Dentro do contexto da soberania, o pesquisador destaca que a Amazônia sempre teve presença internacional, desde o período da exploração da borracha até a criação da Zona Franca de Manaus. Contudo, essa questão é relativizada em alguns locais estudados por ele, como os países africanos Zâmbia, Tanzânia e África do Sul.
“Os países têm também o contexto local, eles pressionam e as empresas chinesas precisam muitas vezes se adequar à realidade. Então não é tanto assim de ‘as empresas chinesas chegam e estão colonizando os países’, não é assim também, precisa haver muito contexto”, destaca.
Ele ressalta que, no caso da Amazônia, há muitos mecanismos de controle a partir do Ministério Público, organizações ambientais e regulações fortes por parte do Estado brasileiro.
‘Trata-se de operação privada’
Procurado pela reportagem para comentar a venda da mina, o governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Energia, Mineração e Gás (Semig), informou que a venda das ações da Mineração Taboca “tratou-se de uma operação privada entre as partes envolvidas” e que entende que “todo investimento é positivo e importante para o crescimento econômico e desenvolvimento social do estado, sempre observando as condicionantes ambientais e cumprindo as legislações vigentes”.
“O governo reforça que está aberto e pretende manter o diálogo com o novo controlador da mineradora, com foco na preservação dos empregos já existentes e para que novos investimentos sejam realizados. As atividades mineradoras no município de Presidente Figueiredo já existem desde 1969. Essa atividade gera cerca de 2 mil empregos diretos no município”, afirma.
O deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM) pediu a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a negociação que resultou na compra da Reserva de Pitinga pela empresa chinesa.
É preciso ficar de olho, diz sociólogo
Cleiton Maciel afirma que as empresas tiveram dificuldades para fazer adequações locais tanto em suas unidades no continente africano quanto na Zona Franca de Manaus. Dentre esses estão “aspectos ambientais, aspectos sociais, direitos sociais, as comunidades tradicionais e os povos indígenas, que essas reservas de minerais estão bem próximas”.
“É preciso ficar de olho e sempre destacar esses aspectos. Mas por outro lado, talvez a gente poderia chamar de positivos ou de possibilidades. Quando a China vem para um setor estratégico, me parece que, se a gente for pegar o exemplo de outros países, como ela depende muito desse setor, é possível que a gente tenha mais capacidade de barganhar com a China, até mais do que no setor da Zona Franca mesmo, de minerais, de eletroeletrônicos, de TVs e de duas rodas”, avalia.
O pesquisador sugere que, em troca dos minérios que o país asiático necessita e que estão na Mina do Pitinga, como estanho, cassiterita, ferro e cobre, o Brasil poderia negociar troca de tecnologia e investimentos em outros setores estratégicos para a economia do Amazonas como os setores farmacêutico, cosmético, saneamento, infraestrutura e em capital humano, por meio de recursos para universidades.
“O nosso relacionamento com a China pode se aprofundar mais, ainda mais que o Brasil agora está nessa rota [comercial] da China. O Brasil está entrando cada vez mais, então o nosso relacionamento no Amazonas pode se aprofundar. Isso vai depender muito da capacidade política dos nossos gestores e também dos nossos empresários de buscarem, unidos, de modo conjunto, e também de um grande acordo de colocar a economia amazonense nesse processo da Rota da Seda chinesa para atrair investimentos interessantes para nós”, conclui.
Notícia retirada do Jornal Acrítica.